Vida em condomínio

Lições para conviver em paz com os vizinhos


Entre brigas e discussões, condomínios tentam unir seus moradores

Manhosa anda fazendo jus ao nome. É a terceira vez que ela vai parar no livro de reclamações. “Às 19h20 de hoje, faço citar mais uma vez que o morador veio reclamar do gato do vizinho, que de fato miou o dia inteiro”, esclarece o texto da citação que Manhosa recebeu recentemente, quase um boletim de ocorrência escrito com caneta Bic e letra corrida. Esse é o tipo de literatura que Affonso Celso Prazeres, síndico do Edifício Copan, no centro de São Paulo, se acostumou a ler diariamente, de segunda a segunda, pelos últimos 15 anos.

“Não tem jeito, sempre tem alguém reclamando de alguém, algum bicho fazendo barulho, alguma coisa errada...”, diz. “O livro de reclamação é a minha leitura de cabeceira.” Affonso Prazeres, xerifão do Copan há uma década e meia, é especialista em casos com Manhosas, Floquinhos, Totós, papagaios, canos com vazamentos, disputas no estacionamento, música alta de madrugada, festinhas fora de hora e tantas outras picuinhas entre vizinhos. Não é para menos - o Copan, como seus 1.160 apartamentos e toda uma sorte de moradores, talvez seja o símbolo maior da difícil convivência em condomínios. Ali, nas unidades que variam de 36 a 214 metros quadrados, moram desde o dono da Livraria Cultura até a empregada doméstica do dono da Livraria Cultura. É uma lição diária de paciência, educação e tolerância.

“Morar em prédio é como um casamento forçado, você tem de se relacionar com seus vizinhos de alguma forma”, diz o antropólogo Leonardo de Assis Moura, que, diga-se, chegou a morar no Copan e resolveu mudar justamente depois de uma briga “homérica” com o vizinho do andar de cima. Tal experiência serviu de ponto de partida para um livro que será lançado ainda este ano. “A vida em condomínio talvez seja um dos melhores exemplos do que é a vida em sociedade. É preciso ceder e saber que sua liberdade acaba quando começa a da outra pessoa. Claro que, quando o cachorro de cima não para de latir de madrugada, você esquece tudo isso.”

Reza o ditado que o vizinho é o nosso parente mais próximo. Em São Paulo, então, não falta parente - são cerca de 27 mil condomínios verticais só na região metropolitana, conforme estimativa do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo. E mais de 50 imóveis novos são vendidos todos os dias na cidade. Com o perdão do trocadilho: é um problema em cima do outro.

CAUSOS

Todo prédio tem seus causos. A atriz Cris Nicolotti, por exemplo, já é versada em desentendimento com vizinho. Em uma reunião com amigos em seu apartamento na zona sul, ela foi surpreendida por um dos moradores do andar de cima com um sonoro “Vai tomar no...”.

Tal deselegância serviu de inspiração para uma singela canção que virou um dos maiores sucessos brasileiros do site YouTube. “Meu marido estava com o violão e cantou: ‘vai tomar no... você'”, lembra. “Daí surgiu a música.”

Problemas mais graves muitas vezes não acabam em canções. No próprio Copan, por exemplo, o síndico Affonso Celso Prazeres já teve de expulsar um poodle do prédio, depois de muitas reclamações dos vizinhos que não conseguiam dormir. “O cachorro tinha uma certa carência”, diz.

Já a aposentada Marta Domingues, de 59 anos, moradora de Moema, na zona sul, está processando uma ex-vizinha por agressão. “Ela morava do meu lado, porta a porta. Um sábado de manhã, eu queria entrar na garagem e ela estava com o carro parado na frente do portão, impedindo a passagem”, conta. “Eu buzinei, reclamei. Ela saiu do carro, mandou eu abaixar o vidro e, para a minha surpresa, me deu um soco na cara.”

PROCESSOS

Apesar de não saber precisar quantos processos de brigas sobre vizinhos chegam a sua mesa, a juíza presidente do Juizado Especial Cível Central, Mônica Ferreira, vira e mexe tem de resolver esse tipo de desentendimento. “O difícil é que, quase sempre, é a palavra de um vizinho contra o outro. Fica como briga em família”, conta.

Mônica, que mora em apartamento, até evita falar para os vizinhos que é juíza para não ter de se envolver nas picuinhas do próprio prédio.

“Como passo o dia inteiro resolvendo as brigas dos outros, passo longe das discussões do meu prédio. Até fujo das reuniões de condomínio quando os ânimos começam a esquentar”, afirmou.