Terra invadida

Construções irregulares ocupam área pública na região rural de São Sebastião. Disputa judicial dificulta o controle sobre o local

Helena Mader

Homens erguem casa na região: hoje, há mais de 50 construções ilegais

Uma área pública de 350 hectares na região rural de São Sebastião é o mais novo alvo dos grileiros do Distrito Federal. Até os anos 90, as terras às margens da BR-251 faziam parte de um programa de reflorestamento do governo chamado Proflora. Com o fim do projeto, o amplo terreno ficou desocupado. Há duas semanas, a gleba começou a ser tomada por barracos irregulares, que se multiplicam dia a dia. Hoje, já são mais de 50 construções ilegais, algumas de alvenaria. A Agência de Fiscalização afirma que a retirada de grileiros do local virou rotina desde o ano passado e promete realizar mais uma operação para retirar os novos invasores. A Secretaria de Agricultura tem o projeto de criar chácaras no terreno e arrendá-las a pequenos produtores.

Além de ser alvo de parcelamento irregular do solo, a área conhecida como Mangueiral da Proflora é motivo também de uma acirrada disputa judicial entre a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e a empresa JDF Agroindustrial — o que dificulta o controle sobre as ocupações. Em 2008, os donos da JDF conseguiram na Justiça a posse(1) das terras. Mas a Terracap tenta reverter essa decisão para voltar a ter controle sobre a região.

Até agosto de 2008, 42 famílias viviam e produziam na área do Mangueiral. Mas a JDF Agroindustrial entrou na Justiça pedindo a remoção dos chacareiros e a reintegração de posse. Para isso, apresentou à Vara Cível do Paranoá um contrato de arrendamento com a antiga Proflora. O acordo foi firmado em 1989 entre o governo e a empresa Sever Ltda, com validade de 10 anos. Em 1995, a Sever transferiu o contrato para a JDF Agroindustrial — uma cessão irregular e já vencida, segundo a Terracap. Mas a Justiça aceitou o pedido de reintegração e as casas dos chacareiros foram demolidas.

O presidente em exercício da Terracap, Luís Antônio Reis, explica que a propriedade das terras é do governo e que a posse está em discussão judicial. “Não há dúvidas de que a Terracap tem o domínio da área, por isso recorremos à Justiça para pedir a nulidade desse contrato da JDF. Quando isso acontecer e retomarmos a posse, a Secretaria de Agricultura poderá usar a área para fazer assentamentos rurais”, destaca Reis. “Como a posse é da JDF Agroindustrial, a Terracap não pode sequer retirar os invasores, senão estaríamos advogando em favor dessa empresa”, acrescenta Luís Antônio. O Correio procurou os advogados da JDF, mas até o fechamento desta edição não obteve retorno.

Os fiscais da Terracap não têm poder legal para retirar os barracos recém-construídos na área do Mangueiral, mas a Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis) pode agir contra as invasões. A assessoria de imprensa da Agefis informou que já fez várias operações para retirar construções ilegais do Mangueiral, mas os invasores sempre voltam com um número ainda maior de barracos. Os fiscais vão voltar a fazer operações na área em data ainda não determinada. Na região invadida, a reportagem encontrou carros novos estacionados ao lado de vários barracos.

A subsecretária de Assuntos Fundiários da Secretaria de Agricultura, Syulla Medeiros, destaca que a área do Mangueiral é ambientalmente sensível e jamais poderá se tornar uma zona urbana. “A área é rural e continuará com essa classificação. Há muitas nascentes na região e o solo é hidromórfico (com excesso de umidade)”, justifica Syulla. Ela espera que o governo consiga retomar a posse rapidamente para que a Secretaria de Agricultura possa levar adiante os planos de assentamento de chacareiros. “É preciso licenciar a área e aprovar os projetos de parcelamento das chácaras. Tudo isso depende da retomada da posse e da retirada das invasões”, finaliza a subsecretária.

1 - Apropriação de fato
Apesar de a área pertencer ao GDF, a JDF Agroindustrial passou a ter o poder efetivo sobre o imóvel, podendo ocupá-lo ou não e com a responsabilidade de zelar pela área. Pela teoria do direito, a posse representa uma apropriação de fato, enquanto a propriedade e o domínio são uma apropriação de direito.

Chacareiros ficam no improviso

 

Jovercino aguarda ansiosamente a criação de um assentamento

As 42 famílias de chacareiros removidas depois da ação judicial movida pela JDF Agroindustrial ainda esperam por uma nova área para produzir. Hoje, elas estão temporariamente assentadas em uma região conhecida como Pinheiral, a poucos quilômetros do Mangueiral da Proflora. No acampamento improvisado, produzem milho e feijão com sementes e adubo doados pela Secretaria de Agricultura. Mas o espaço é insuficiente para que todas as famílias possam plantar.

Na área do Mangueiral, cuja posse pertence à JDF Agroindustrial, a Secretaria de Agricultura poderia assentar pelo menos 80 famílias. Hoje, há cerca de 200 chacareiros e pequenos produtores no Distrito Federal que aguardam por um local para trabalhar. O presidente da Associação dos Produtores do Mangueiral, Jovercino Francisco da Silva, conta que a expectativa é grande com relação à criação de um assentamento para as famílias na região. “Produzíamos milho, feijão e mandioca quando fomos retirados pela empresa JDF. Agora, só podemos usar uma área pequena, que não é suficiente para todo mundo”, conta Jovercino. No galpão da associação, há sacos de sementes que não foram usados por falta de espaço para o plantio.

A subsecretária de Assuntos Fundiários da Secretaria de Agricultura, Syulla Medeiros, explica que a ideia do governo é fazer um assentamento nos mesmos moldes da Fazenda Larga, em Planaltina. “Quando a Terracap conseguir retomar a posse na Justiça, poderemos fazer mais um assentamento modelo”, afirma Syulla. A Fazenda Larga foi criada para abrigar pequenos produtores que foram retirados para a criação do Parque Sucupira, em Planaltina.

Memória
Produzir e reflorestar

O projeto Proflora foi criado pelo governo no fim dos anos 70. A área próxima a São Sebastião foi destinada a projetos de reflorestamento. As empresas arrendatárias podiam plantar eucalipto ou pinus e, depois de um tempo, tinham o direito de cortar as árvores, desde que se comprometessem a reflorestar uma quantidade determinada de hectares.

No fim dos anos 80, o controle sobre os negócios passou para a extinta Fundação Zoobotânica. Logo depois, parte da área foi incorporada à Floresta Nacional de Brasília (Flona) — hoje administrada pelo governo federal.

Logo no início dos anos 90, o GDF decidiu extinguir a empresa Proflora e, desde então, coube à Terracap administrar as áreas e os bens do empreendimento. Os terrenos do programa eram divididos por números. A área hoje disputada entre a Terracap e a JDF Agroindustrial, por exemplo, era chamada de Projeto 10. O terreno onde será construído o Setor Habitacional Mangueiral era o Projeto 5. O Proflora dispunha de mais de 1 mil hectares de terras na região rural de São Sebastião.