Noroeste
Concorrência baixa

Terracap arrecadou R$ 537 milhões com a venda de 54 dos 63 terrenos oferecidos. Briga foi forte nas áreas comerciais, com ágio de 65%. Nas residenciais, 70% das projeções arrematadas tiveram apenas um lance

Helena Mader
Da equipe do Correio

A primeira licitação de terrenos do Setor Noroeste foi realizada ontem em meio a uma guerra de liminares judiciais e acusações de que a concorrência pública seria direcionada a grandes empresas. A Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) vendeu 54 lotes e arrecadou R$ 537 milhões, recursos que serão investidos na urbanização do bairro, no Parque Burle Marx e, principalmente, na infraestrutura de áreas carentes. Apesar do setor imobiliário aguardar ansiosamente o lançamento do Setor Noroeste há uma década, a concorrência foi pequena. Dos 43 terrenos residenciais arrematados, 70% receberam uma única proposta. Os preços ficaram, em média, 7% acima dos valores mínimos fixados no edital. Já as projeções comerciais, que são mais baratas, foram bastante disputadas. Nesse caso, o ágio foi de 65%.

Apenas nove dos 63 terrenos licitados não foram vendidos. Eles serão incluídos nos próximos editais do bairro. A maior disputa ficou entre os lotes comerciais. Cada uma das onze projeções para lojas ou quitinetes recebeu, em média, 12 propostas. O preço inicial era de R$ 2 milhões mas cada terreno foi vendido por uma média de R$ 3,3 milhões, o que representa um ágio de 65%. O lance mais alto, entre as projeções comerciais, foi de R$ 3,6 milhões.

Já nos lotes residenciais, o ágio foi bem menor. Os terrenos de R$ 10,3 milhões foram arrematados, em média, por R$ 11,5 milhões. Já os de R$ 14,9 milhões foram vendidos por cerca de R$ 15 milhões. O terreno mais caro saiu por R$ 15,8 milhões e foi justamente uma das quatro propostas para pagamento à vista. Das 43 áreas residenciais incluídas no edital, 30 lotes receberam uma única proposta, 10 terrenos receberam duas propostas e outros três tiveram apenas três interessados.

A abertura dos envelopes foi tumultuada. Logo depois da apresentação das propostas, a licitação foi suspensa por determinação da Justiça. Isso porque o Ministério Público do Distrito Federal entrou com uma ação civil pública para questionar os prazos de pagamento e obteve uma liminar que paralisou a venda. Duas horas depois, entretanto, o presidente do Tribunal de Justiça do DF, desembargador Nívio Gonçalves, derrubou a decisão e manteve a licitação.

Forma de pagamento
A confusão em torno da venda das projeções do Noroeste está relacionada à forma de pagamento estabelecida pela Terracap. Em licitações, a empresa sempre ofereceu a possibilidade de quitação em até 240 meses, com entrada de 5%. No novo bairro, porém, a companhia determinou que o pagamento deve ser feito em, no máximo, 12 vezes, com 20% de entrada. O valor mínimo dos lotes residenciais variava entre R$ 10 milhões e R$ 14,9 milhões.

O presidente da Terracap, Antônio Gomes, justifica essa opção pela pressa do governo em obter os recursos e aplicá-los na urbanização do Noroeste. O objetivo é que toda a infraestrutura do bairro, como pavimentação, calçadas e iluminação, esteja pronta antes da chegada dos primeiros moradores. “Precisamos dos recursos para investir no Noroeste, por isso definimos o prazo de pagamento em 12 meses. Mas qualquer um pode participar da licitação. Em caso de empresas pequenas, basta se associar, como muitos fizeram”, disse Antônio Gomes.

A ação civil pública foi apresentada na noite de quarta-feira. Os envelopes chegaram a ser depositados na urna montada no auditório da Terracap mas, depois do anúncio da liminar, ela foi lacrada. O presidente da empresa foi ao Tribunal de Justiça com toda a equipe da assessoria jurídica e, pouco antes das 11h, o desembargador Nívio Gonçalves acatou os argumentos da Terracap.

Para o Ministério Público, a baixíssima concorrência na licitação de projeções residenciais pode ser um indício de combinação entre as construtoras. O MP promete investigar o caso para verificar se houve conluio, o que infringe o artigo 90 da lei de licitações. “Os lotes comerciais, com preços mais baixos, foram bastante disputados. Já nos lotes residenciais, quase 70% deles receberam uma única proposta. Com esse resultado, ficou nítido que não houve concorrência”, destacou o promotor de Defesa do Patrimônio Público Fabiano Mendes Rocha, que assina a ação civil pública.


Unidos para competir

Além das grandes construtoras que participaram da licitação de lotes no Noroeste, também foram formados consórcios de pequenas empresas e até mesmo de pessoas físicas interessadas em arrematar uma área dentro do novo bairro nobre de Brasília. O servidor público Ésio Vieira de Araújo integra um grupo de 60 pessoas que formou a Associação Habitacional Noroeste, com o objetivo de apresentar uma proposta de compra.

“Formamos o grupo há mais de seis meses e nos capitalizamos para participar da licitação. Esse argumento de que pequenas empresas não poderiam participar não é verdadeiro. Basta se organizar”, disse Ésio. O grupo não conseguiu arrematar um terreno na SQNW 111. A proposta de R$ 11,3 milhões foi superada por outra no valor de R$ 11,8 milhões. “Vamos manter o grupo organizado para participar da próxima licitação”, acrescenta Ésio.

O gerente comercial da Terracap, Luiz Flávio de Barros, não acredita na possibilidade de combinação de preço entre as construtoras, mas destaca que a companhia não tem como controlar essa prática. “Não temos como coibir, mas não aprovamos e nem somos coniventes com isso. A Terracap não tem como saber se houve combinação, não temos controle sobre o que acontece fora da empresa. De qualquer forma, não acredito que tenha ocorrido combinação”, disse Luiz.

O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário, Adalberto Valadão, também nega que possa haver acerto entre construtoras. “A licitação correu muito bem, o governo vendeu praticamente tudo o que ofertou e os recursos arrecadados serão revertidos em benefícios para toda a população. O ágio registrado é compatível com o momento de crise econômica”, destacou.

Para o promotor Fabiano Mendes Rocha, a justificativa do governo de que há pressa na arrecadação dos recursos não é suficiente para a fixação dos curtos prazos de pagamento. “Nunca as licitações da Terracap tiveram um prazo tão exíguo como este, nem um valor tão alto de entrada. Nosso entendimento é que essas condições limitam substancialmente o caráter competitivo da licitação”, justifica o promotor.