Conflito
Vizinhos do barulho

Moradores do condomínio Jardins do Lago tentam impedir o funcionamento de casa de festas ao lado das residências. Administração concedeu alvará, apesar de pareceres do Ministério Público e da Procuradoria

Helena Mader
Da equipe do Correio

Para ter uma noite de sono tranqüila, a funcionária pública Iane Cláudia de Almeida, 37 anos, precisa sair de casa. Ela mora no condomínio Jardins do Lago, no Setor Jardim Botânico, a menos de 20 metros da casa de festas Villa Patrícia. Em dias de confraternizações ou casamentos, o vaivém de carros e a música incomodam os moradores vizinhos, que travam na Justiça uma batalha pelo fechamento do salão de eventos. “É impossível dormir por causa do barulho. Nos fins de semana, fico acordada até os convidados irem embora, o que nunca acontece antes das 3h”, reclama Iane.

O empreendimento funcionou nos últimos sete meses sem alvará e chegou a ser interditado pela Agência de Fiscalização do Distrito Federal. No último dia 10, a Procuradoria do DF emitiu parecer contrário à concessão do documento. Mas quatro dias depois, a Administração Regional do Jardim Botânico emitiu autorização para o funcionamento do local. Para a concessão do alvará da Villa Patrícia, a casa de festas obteve a anuência de 83% dos vizinhos. Mas os moradores dos lotes limítrofes — justamente os mais incomodados — não foram ouvidos.

Os proprietários da casa negam qualquer tipo de transtorno e garantem que o volume de som dos eventos é medido a cada meia hora, para evitar incômodos à vizinhança. Mas um grupo de moradores do Jardins do Lago vai recorrer à Justiça para tentar suspender o alvará da Villa Patrícia. Eles reclamam do barulho e também do trânsito intenso nos dias de evento.

Na luta para garantir o sossego no condomínio, a comunidade já procurou o Ministério Público do DF, a Procuradoria do Distrito Federal, a 30ª Delegacia de Polícia, a Administração Regional do Jardim Botânico, o Fórum do Paranoá e a Agência de Fiscalização do GDF. Os documentos encaminhados a todos esses órgãos somam mais de 400 páginas. Os moradores documentaram todos os pedidos de providências encaminhados às autoridades e à Justiça. Além dos ofícios, também há fotos das filas de carros que se formam em dias de festas.

O funcionário público Alberto Valério Souza, 42 anos, vive no conjunto B do condomínio Jardins do Lago, o mais próximo à casa de festas Villa Patrícia. Juntamente com os vizinhos, já recorreu a todos os meios legais e organizou abaixo-assinados contra o empreendimento. “Quando tem festa, é impossível pegar no sono. Vamos acabar ficando doentes, já que ninguém consegue dormir”, reclama.

A briga contra a casa de eventos dura dois anos, desde que o local começou a funcionar. Um primeiro alvará foi expedido pela Administração Regional de São Sebastião em 2006. Em abril deste ano, o GDF revogou o documento, já que a responsabilidade pela área passou para a Administração do Jardim Botânico. No início do ano, a promotora de Justiça Liz Elainne de Silvério expediu recomendação para que não fosse concedida mais nenhuma autorização à casa de festas. “O estabelecimento em questão possui insanável falta de condição de funcionamento, emitindo sons e ruídos acima dos permitidos para áreas residenciais”, argumentou a promotora.

Nos últimos dois anos, moradores do Jardins do Lago registraram 11 ocorrências policiais para reclamar do barulho na Villa Patrícia. A primeira foi registrada na 30ª DP no dia 15 de dezembro de 2006. A última foi no dia 9 de outubro deste ano. Em junho, a 30ª delegacia lavrou um termo circunstanciado em desfavor da casa de festas, enquadrando o caso no artigo 42 do Decreto Lei nº 3.688/41, que trata da perturbação do trabalho e sossego alheios.

Em maio, os proprietários pediram um novo alvará de funcionamento. Mas continuaram a abrir as portas antes da emissão do documento. No dia 26 de junho, a Subsecretaria de Fiscalização emitiu auto de notificação contra a casa por funcionar sem alvará. No dia 2 de outubro, a recém-criada Agência de Fiscalização interditou a Villa Patrícia por descumprimento da notificação.

Liminar
Com a interdição, os donos buscaram uma liminar na Justiça para realizar todos os eventos já contratados, sendo o último previsto para o dia 14 de novembro de 2009. “Inúmeros gastos foram feitos pelas contratantes, não se esquecendo dos aspectos emocionais envolvidos nesse tipo de evento. Os prejuízos de ordem patrimonial e moral seriam irreversíveis”, argumentaram. O TJDF concedeu a liminar, mas apenas para as festas marcadas para 3 e 4 de outubro deste ano, os dias subsequentes à interdição.

“Nós encaminhamos um abaixo-assinado com 47 nomes à Administração Regional do Jardim Botânico pedindo que o alvará não fosse concedido”, lembra o funcionário público Luís Otávio da Rocha, morador do condomínio. No último dia 10, quatro dias antes da concessão do alvará, o procurador do DF Wilson Rodrigues Damasceno emitiu um parecer contrário à liberação do documento. “Existe um clamor público por sossego, garantia legal que não está sendo observada. Há infringência às regras urbanísticas e ambientais, porquanto a casa de festas funciona fora do zoneamento em imóvel residencial”, argumentou o procurador.

Na última sexta-feira, a Administração Regional do Jardim Botânico concedeu o alvará. O documento autoriza o funcionamento do local das 8h às 3h, de segunda a segunda. O administrador regional do setor, Fábio Barcellos, explica que emitiu o documento com base no decreto 29.566/08. “Os proprietários apresentaram laudo do Ibram (Instituto Brasília Ambiental), comprovando que não há ruídos excessivos, e tiveram a anuência de 83% dos vizinhos, bem mais do que os 70% exigidos por lei”, explica Fábio. “Se a Justiça mandar fechar o local, vamos acatar imediatamente. Mas, por enquanto, a emissão do alvará está totalmente de acordo com a lei”, acrescenta.


Donos negam incômodo

Os proprietários da Villa Patrícia argumentam que seguiram todos os requisitos legais para manter a casa em funcionamento. Eles garantem que é proibida a apresentação de bandas ou a execução de música ao vivo no local, para evitar transtornos. Apesar da proximidade do portão de entrada com o muro do condomínio Jardins do Lago, um dos sócios da casa, Eduardo Alencar, explica que o local onde são realizadas as festas fica a 112 metros das residências vizinhas. “Tivemos a anuência de quase todos os moradores da região. Apenas um pequeno grupo de pessoas, por implicância, não concordou com o funcionamento”, explica Eduardo.

Sobre o trânsito excessivo em dias de festa, ele diz que a via é pública, mas garante que em breve serão contratados mais manobristas para minimizar os impactos do vaivém de veículos. O proprietário explica ainda que, a cada meia hora, um funcionário mede a intensidade do som com um decibelímetro. O empreendimento funciona em um lote de dois hectares.

“Meu terreno é regularizado, nunca infringi as normas nem parcelei o lote. Não tenho culpa se um condomínio irregular se instalou ao lado da minha chácara”, acrescenta Eduardo. Ele mora dentro do terreno onde funciona a casa de festas. “Vivo a 30 metros do local onde são realizados os casamentos. Meus netos passam muito tempo aqui, jamais submeteria a minha família a isso se houvesse barulho. Sou médico e sei as conseqüências. Mas posso afirmar que não há incômodo para ninguém”, finaliza o proprietário da Villa Patrícia.