Cerca de 30 mil vigilântes do DF são clandestinos

Publicação: 13/07/2008 15:43 Atualização: 13/07/2008 15:43 Sob o pretexto de fornecer segurança aos moradores, uma atividade ilegal e perigosa cresce nos condomínios residenciais do Distrito Federal. É a vigilância privada, que muitas vezes age como polícia em prédios e loteamentos. Há cerca de 30 mil clandestinos fazendo ronda sem cumprir as exigências da legislação brasileira. O dobro dos profissionais autorizados pela Polícia Federal. A estimativa é do sindicato dos vigilantes, que defende as empresas e os 14.725 trabalhadores formais.

Os falsos vigilantes atuam sem qualquer tipo de treinamento e à margem da Lei nº 7.102, de 1983, que regulamenta a atividade. Mais do que alimentar a ilegalidade, quem contrata a vigilância patrimonial clandestina coloca em risco quem vive sob os cuidados desse tipo de profissional. Segundo a Delegacia de Controle de Segurança Privada (Delesp), da Superintendência Regional da Polícia Federal no DF, ao contratar alguém inabilitado para esse tipo de trabalho, o empregador pode ter ao seu lado um foragido da Justiça ou uma pessoa respondendo a processo criminal. E o mais grave, em condições de informar para os comparsas detalhes da rotina dos moradores.

O Correio visitou condomínios residenciais no Lago Sul — escolhidos aleatoriamente — para saber como a vigilância é feita e se os profissionais estão credenciados na Polícia Federal. A reportagem encontrou dois tipos de situação: vigilância feita por pessoas contratadas pelo condomínio ou por empresas terceirizadas. Em ambos os casos, há irregularidades. Ou o trabalhador não é vigilante profissional ou o condomínio não tem autorização da PF para fazer a segurança orgânica (aquela feita pela própria associação).

A situação na capital do país se torna ainda mais preocupante por concentrar o maior número de vigilantes por habitante. A média é de um profissional para 38 moradores, segundo o Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Sistemas de Segurança Eletrônica, Cursos de Formação e Transporte de Valores do DF (Sindesp-DF). Essa realidade é mostrada em um artigo assinado pelo pesquisador André Zanetic, da Universidade de São Paulo (USP), apresentado no 4º Simpósio dos pós-graduandos em ciências políticas da USP. Intitulado “A segurança privada no Brasil: disseminação, controle e regulação”, o artigo aponta que Brasília aparece na frente de São Paulo e do Rio de Janeiro em número de vigilantes por habitantes.

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Ilegalidades flagradas
Apesar de a legislação que regula o setor estar em vigor há 25 anos, moradores e síndicos alegam desconhecer as exigências legais. No condomínio Solar de Brasília, a segurança dos moradores é garantida de duas formas. O visitante só entra após ser identificado e cadastrado pelo porteiro. De dia, um vigilante motorizado faz a ronda. À noite, três cuidam do trabalho. O serviço é terceirizado, segundo a síndica, Leda Cavalcante. “Sinceramente, não sei se a empresa tem autorização da Polícia Federal para fazer esse tipo de serviço ou se os vigilantes passaram por curso. Lançamos um edital e especificamos nossa demanda. Ela se apresentou como qualificada”, contou.

A empresa responsável é a Coral Administração de Serviços. O Correio apurou que alguns vigilantes não têm a carteira nacional de vigilantes e, portanto, são considerados clandestinos pela PF. No telefone fornecido pelo condomínio, a gerente comercial da Coral, identificada apenas como Iracema, disse que retornaria a ligação da reportagem. Mas, até o fechamento desta edição, isso não ocorreu.

Tiros e ferido
O debate sobre o trabalho da vigilância privada veio à tona após o incidente no Condomínio RK, em Sobradinho. Em 17 de junho, o supervisor de segurança do local, o tenente da reserva do Exército Waldir Medeiros, 48 anos, atirou contra o morador Mário César Landim, 36, que se recupera do ferimento. O caso, apurado pela 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho), está em fase de conclusão, segundo o delegado-chefe, Ricardo Yamamoto.
O síndico Paulo Roberto Ramos admitiu não ter pedido autorização à PF para colocar em prática a segurança orgânica (implantada pelo próprio condomínio), mas afirmou que os 30 vigilantes fizeram o curso de formação exigido pela lei. “Não sabia que vigilância desarmada precisava da autorização. Já providenciamos os documentos e vamos entregá-los à Polícia Federal na segunda-feira”, garantiu.

Na opinião do sociólogo Antônio Flávio Testa, da Universidade de Brasília (UnB), a alta concentração de renda dos brasilienses e a percepção de que o Estado é ineficiente em garantir a segurança aumentam a corrida pela segurança privada. “A questão é grave, especialmente porque esse serviço muitas vezes é oferecido por policiais que ferem as normas de sua profissão”, ressaltou. A Delesp confirmou a existência de policiais fazendo bico como seguranças, mas não entrou em detalhes.