URBANISMO
Muros verdes cercam os blocos

Cercas vivas dificultam o acesso aos prédios das quadras residenciais do Plano Piloto. Para o Iphan, trata-se de uma afronta ao tombamento arquitetônico de Brasília


Érica Montenegro
Da equipe do Correio

As superquadras brasilienses estão ganhando muros. Usadas para criar jardins individuais no espaço próximo aos prédios, as cercas vivas aumentaram de tamanho e se transformaram em paredes verdes que impedem a livre circulação de pedestres pelas áreas públicas. O expediente contraria as regras do tombamento do Plano Piloto, mas é cada vez mais comum, principalmente na Asa Norte.

Na 310 Norte, os blocos B e K possuem cercas vivas cujo tamanho varia entre 1,60m e 1,70m. Em ambos, os paredões naturais foram fixados entre os prédios e a comercial próxima. No Bloco B, estendem-se por toda a lateral do edifício. No K, contornam o parquinho utilizado pelas crianças da vizinhança.

Na 303 Norte, o muro de plantas do Bloco D tem aproximadamente 1,5m de altura na lateral. Na parte da frente, tem cerca de meio metro mas, ainda assim, dificulta o acesso ao pilotis do prédio. No Bloco G da mesma quadra, as cercas vivas são baixas, mas o projeto paisagístico isola a área pública perto do edifício do resto da quadra. O prédio foi construído sobre uma elevação do terreno e os arbustos foram plantados em três camadas diferentes, o que inviabiliza a passagem das pessoas.

Vida comunitária
O projeto pensado por Lucio Costa para as superquadras privilegia a vida comunitária, os espaços públicos. As áreas verdes que circundam os prédios seriam o local por excelência onde se daria a convivência dos brasilienses. Os espaços comuns serviriam para as crianças brincarem, os vizinhos se encontrarem e os pedestres circularem. Por isso, os muros verdes afrontam a concepção de superquadra do urbanista. “O projeto de Lucio Costa maximiza os espaços públicos. As cercas vivas fazem justamente o contrário. Elas privatizam a área pública”, comenta a arquiteta Vera Ramos, do Instituto Histórico e Geográfico do DF (IHGDF).

De acordo com os planos do urbanista Lucio Costa, apenas 57,6 mil metros quadrados ou 15% da área total de uma superquadra estariam ocupados pelos edifícios. Além disso, os prédios suspensos em pilotis proporcionariam aos moradores e passantes a sensação de estar em um espaço amplo e ajardinado. A urbanização das superquadras também seguiria um único projeto, o que permitira a unidade visual do conjunto. “O projeto de Lucio Costa é uma das principais razões da famosa qualidade de vida brasiliense. Ao abandoná-lo, os moradores estão abrindo mão disso”, observa Vera Ramos.

Obstáculos
A individualização das áreas verdes do Plano Piloto começou há duas décadas, quando as construtoras incluíram o ajardinamento das áreas próximas em seus projetos imobiliários. De lá para cá, o que já era uma discreta individualização transformou-se em um flagrante isolamento dos prédios. “As superquadras estão virando um tabuleiro de xadrez, tamanha a quantidade de obstáculos colocados para impedir o acesso aos pilotis”, afirma Alfredo Gastal, superintende regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-DF). O Iphan, que tem como missão proteger o tombamento de Brasília, já encaminhou pedidos para o GDF tomar providências em relação ao assunto.

Segundo a diretora de planejamento da Agência de Fiscalização (Agefiz), Bruna Maria Pinheiro, o assunto é da alçada do Departamento de Parques e Jardins (DPJ) da Novacap. “Se as áreas não foram isoladas com cancelas não podemos intervir. Nossa atuação é quando a invasão de área pública está caracterizada”, explica Bruna. Ela sugere que o DPJ resolva o problema com uma poda das cercas vivas. No DPJ, contudo, a assessoria de imprensa informa que qualquer questão relativa às superquadras do Plano Piloto deve ser resolvida com a Administração de Brasília.

Moradores se defendem

Os síndicos ouvidos pela reportagem reclamam que há anos o GDF abandonou os cuidados com os jardins das superquadras. Para não deixar o espaço próximo aos blocos abandonado, eles assumiram as áreas próximas aos edifícios em que vivem. “Nossa intenção não é impedir a circulação de ninguém, mas conservar a área”, afirma o síndico do bloco K da 310 Norte, William Lima Vaz.

O síndico acrescenta que os condôminos do Bloco K investiram pelo menos R$ 48 mil na urbanização dos jardins próximos ao prédio. “Até os passeios que vão dos edifícios para a comercial fomos nós que construímos, o governo não contribuiu com nada”, ressalta William Lima Vaz. Para ele, a passagem de 1,3m que deixou na cerca viva garante a acessibilidade do local.

O síndico do Bloco D da 303 Norte, Ademário Pereira Leal, afirma que as cercas vivas foram colocadas por uma questão de segurança. A área próxima ao prédio era ocupada por moradores de rua e usuários de drogas, o que fez os moradores optarem pela cerca. “Foi uma tentativa legítima de nos dar mais privacidade e segurança”, justifica-se. (EM)

Problemas no Sudoeste

Pablo Rebello
Da Equipe do Correio

O julgamento das grades de prédios residenciais no Cruzeiro Novo, que ferem o tombamento de Brasília, pode abrir precedentes para novas ações judiciais em áreas vizinhas. Como o Correio publicou ontem, o Superior Tribunal de Justiça avalia o caso. No Centro Comercial Sudoeste (CCSW), diversos edifícios habitacionais estão com o vão livre dos pilotis bloqueado por vidraças, muros e alambrados. Trata-se de construções luxuosas que usam a área cercada para melhorar a qualidade de vida dos moradores. A Administração do Sudoeste defende que os prédios foram construídos dentro da lei. Mas o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) acredita que a situação é a mesma da encontrada no Cruzeiro Novo.

“Se ocuparam o pilotis e não permitem o livre acesso das pessoas, está errado e esses condomínios receberão uma visita nossa”, avisa o superintendente regional do Iphan, Alfredo Gastal. “As

administrações regionais não podem se sobrepor ao tombamento da cidade.” Gastal reiterou que, como o Cruzeiro, o Sudoeste também faz parte da área tombada de Brasília. Foi o Iphan que entrou com uma ação civil pública contra o Governo do Distrito Federal, em 1994, pedindo a retirada das cercas instaladas ao redor dos prédios residenciais do Cruzeiro Velho.

Para o administrador do Sudoeste, Nilo Cerqueira, o bloqueio dos pilotis no CCSW não fere o tombamento da cidade. Ele alega que a Norma de Gabarito de Área (NGB) 38/99, desenvolvida pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma), determina que o pavimento térreo dos prédios deve ser tratado como pilotis, mas pode ser cercado. “Isso ocorre porque lá o que existem são lotes em vez de projeções, como nas superquadras do Sudoeste, onde os pilotis não podem ser ocupados dessa maneira”, argumenta.