URBANISMO
Lago Norte protesta contra nova obra

Imóvel com 1.733m2 de área construída levanta polêmica no Centro de Atividades 6. População manifesta dúvidas quanto à destinação do empreendimento

Uma obra em andamento tem causado polêmica no Lago Norte. Trata-se de uma estrutura de dois andares com dezenas de janelas que aparenta ser um edifício de quitinetes, situada no Centro de Atividades 6. Além de ser exclusivamente residencial, o CA 6 é destinado à construção de unidades habitacionais unifamiliares, ou seja, não pode abrigar um prédio condominial. Portanto, à primeira vista, a construção estaria irregular.

Mas o projeto arquitetônico do prédio obedece às normas de gabarito previstas para área, e, enquanto não está ocupado, é quase impossível dizer se há desrespeito à destinação original do terreno. Moradores das proximidades estão preocupados com o empreendimento, no entanto a Administração Regional do Lago Norte diz estar de mãos atadas.

Entre os vizinhos da estrutura em construção, que fica no Lote 18 do Conjunto 6, o clima é de indignação. O médico Farid Buitrago, 44 anos, e a mulher dele, a contadora Kátia Luciene Ramos Rodrigues, 46, estão terminando de construir uma casa na área. Eles contam que já registraram diversas reclamações junto à administração.

“A administração diz que tem que acionar a Agência de Fiscalização (Agefis) e, quando a ela vem, diz que não pode fazer nada, pois a obra tem projeto aprovado”, diz o médico. Kátia, por sua vez, observou detalhes que dificilmente fariam parte de uma obra residencial. “Achei estranho desde que abriram a vala para as fundações, pois era grande demais, não condizia com uma residência. Uma vez me dei ao trabalho de contar as janelas. São quase 50. Você compra um lote em uma área de família, sob a promessa de que vai valorizar, e mora ao lado de um comércio?”, questiona.

Projeto estranho

O próprio administrador da cidade, Marcos Woortmann, reconhece que as instalações suscitam desconfiança. “É realmente uma construção que destoa muito, mas as dimensões estão dentro das normas de gabarito”, diz. Um detalhe, no entanto, contribui para as suspeitas dos moradores,  explica Woortmann: “O projeto, aprovado na gestão anterior, causa estranheza porque prevê aposentos como sauna e charutaria”. No ano passado, o desvirtuamento do projeto autorizado chamou a atenção da Agência de Fiscalização do Distrito Federal (Agefis). O órgão questionou o levantamento de pilares não previstos na planta original e embargou a obra. O caso parou na Justiça. O proprietário da construção, Cícero Gomes do Nascimento, 60 anos, deu entrada em um mandado de segurança para estender o prazo de adequação às exigências feitas pelo governo. O processo já correu em duas instâncias e em ambas houve rejeição do pedido.

Mansão familiar

Nascimento disse que o processo foi extinto no momento em que a Agefis desembargou a construção. Empresário do ramo de construção civil e de produção rural, ele garantiu que a obra é o esqueleto de uma grande mansão em que morará com toda a família, formada por ele, os quatro filhos e netos. “Não é quitinete, é residência. Não sei dizer quantos quartos, mas quatro famílias (dos filhos dele) vão morar lá. Estamos com a consciência limpa”, afirma. Nascimento diz que a ideia de reunir todos em uma só residência veio de uma novela. “Vimos que em uma só mansão morava toda a família e gostamos da ideia. Cada um tem dado um pouco.”

A Promotoria de Defesa da Ordem Urbana (Prosus) do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), no entanto, ainda não está convencida dessa versão. Em parecer público feito a pedido da Prourb, dois arquitetos do MPDFT avaliaram as instalações e constataram irregularidades técnicas. No documento datado de 13 de julho deste ano, os técnicos apontam a ausência de espaços externos de lazer, como existe normalmente em residências unifamiliares. Além disso, a área construída é de 1.733,18m² quando o Plano Diretor de Ordenamento Territorial determina o limite de 1.484 m². “Com relação ao licenciamento percebe-se que não há correspondência entre as fotos apresentadas e as fachadas e plantas baixas do projeto”, escrevem os arquitetos. Eles também apontam que as irregularidades são reiteradamente repetidas pelos executores da obra. O MP pede que a Secretaria de Governo e a Coordenadoria de Cidades se manifestem sobre a construção.

De acordo com a Agefis, já houve várias ações no local, notificações, embargos e até ações demolitórias, mas a obra está liberada porque o órgão avalia pedir a participação da Coordenadoria de Cidades. O motivo é que, até o momento, o projeto está aprovado pela administração, ainda que haja dúvidas sobre seu uso final. Para a publicitária Salejandra Alves dos Santos, 42 anos, moradora de uma casa no Conjunto 6, a alguns metros de distância da obra da discórdia, a falta de providências por parte do poder público é o maior problema. “É um abuso de poder. Nós, que fizemos esforço para construir nossas casas, saímos no prejuízo”, avalia.

O que diz a lei
A Lei Distrital nº 4.457, de 2009, estipula regras para a concessão de licenças de funcionamento para atividades comerciais e sem fins lucrativos em zonas urbanas estritamente residenciais.

Ela também prevê multas para quem desrespeitar a ocupação do terreno, tipo de acusação que pesa contra o dono do empreendimento do CA 6. O Decreto nº 31.482 regulamenta a lei e veda a possibilidade de expedição de alvarás para atividades que estejam em desconformidade com o uso previsto na legislação urbanística nas regiões administrativas de Brasília, Sudoeste e Octogonal, Lago Norte, Cruzeiro e Candangolândia.

O Lago Sul constava da zona de veto, mas foi retirado pelo Decreto nº 31.951. Apesar da legislação de proteção às áreas residenciais, não são raros os casos em que a função de um espaço só é descoberto depois que a atividade irregular está em curso.