Licitação de lotes no Setor Taquari tramita na Justiça desde 2002

Dez anos depois da primeira licitação de lotes em parcelamentos irregulares, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) ainda enfrenta ações judiciais relativas ao Setor Habitacional Taquari. Antes conhecida como Condomínio Hollywood, a área, próxima ao Lago Norte, foi regularizada em 2002. Como ainda não estava em vigor a lei que permite a venda direta aos ocupantes, o governo realizou uma concorrência pública, que acabou questionada na Justiça tanto por antigos moradores como por compradores de lotes vazios. Uma das decisões saiu agora e foi desfavorável à Terracap. A empresa já recorreu da sentença.

Comprador de um lote no Conjunto 2 da Quadra 3 do Setor Taquari, Djalma Araújo Louzeiro participou da licitação para manter a posse sobre seu terreno, que estava vazio. Mas ele não deu o maior lance e acabou perdendo o direito ao imóvel, apesar de o edital 20/2002 da Terracap prever a preferência para os antigos ocupantes. Ele recorreu administrativamente e pediu à companhia para cobrir a proposta escolhida, mas não conseguiu. Com isso, os vencedores da licitação teriam direito a ocupar o lote de Djalma, que tinha apenas um pequeno barraco de madeirite nos fundos. Conforme o edital da Terracap, a empresa se eximia de qualquer responsabilidade pela desocupação do terreno licitado. Mas o caso acabou na Justiça.

O processo foi distribuído para a 3ª Vara de Fazenda Pública, que determinou que Djalma fizesse o depósito da caução e das prestações devidas e que o lote não fosse transferido para o vencedor da licitação. O juiz de primeira instância entendeu que Djalma teria direito de preferência para arrematar o lote na concorrência pública. Mas a Terracap recorreu e conseguiu reverter a sentença. A Justiça ainda condenou Djalma a pagar as custas processuais e os honorários dos advogados, fixados em 10% do valor da causa. Mas o antigo proprietário do lote em disputa recorreu mais uma vez à Justiça. No fim de 2011, a 4ª Turma Cível deu um desfecho para o caso e decidiu: o lote deve ficar com Djalma Araújo Louzeiro.

Voto
Em seu voto, o relator do processo, desembargador Antoninho Lopes, diz que o autor da ação demonstrou a posse do terreno, apesar de a área estar vazia. “O argumento de que o requerente não mora ou reside no lote não elide o seu direito de prelação assegurado no edital do certame alienatório e não abala a comprovação da posse, que é relação de fato entre a pessoa e a coisa, desde que haja manifestação do ânimo de possuir”, justificou o desembargador Antoninho. Com isso, a Terracap terá que repassar a propriedade do lote do Setor Taquari a Djalma. A decisão foi unânime e ainda estabeleceu que a Terracap pague R$ 800 das custas judiciais e dos honorários dos advogados.

O advogado de Djalma Louzeiro, Mário Gilberto de Oliveira, conta que o autor da ação estava preocupado com a possibilidade de perder o direito ao lote. “Os vencedores da licitação entraram com uma ação reivindicatória e um juiz mandou desocupar a área. Mas o Djalma já tinha a posse da área e agora, finalmente, a Justiça reconheceu isso”, comentou o advogado.

Para Mário Gilberto, o argumento utilizado pelo desembargador Antoninho Lopes de que o comprador de um lote vazio irregular tem a posse da área será importante no momento em que a Terracap for licitar terrenos desocupados em outros condomínios de propriedade do GDF. “As seis turmas (de Fazenda Pública do TJDFT) já fecharam questão com relação a isso. Pela Lei nº 9.262/96, quem comprou um lote vazio tem direito a regularizá-lo por meio da venda direta porque tem a posse”, defende o advogado.

A polêmica em torno da venda de lotes no Setor Taquari não se limitou aos questionamentos contra a licitação. Em 2003, um grupo de moradores recorreu à Justiça, dessa vez para exigir o direito de construir nos lotes arrematados nas concorrências públicas. O problema aconteceu porque a Terracap vendeu a área antes da liberação da licença ambiental. Por conta disso, a comunidade ficou proibida de erguer casas e o governo não podia fazer obras públicas, como asfalto, esgoto, rede de água e sistema de iluminação pública.

Impasse resolvido
O impasse já foi resolvido, mas ainda há muitas reclamações entre a comunidade. O engenheiro agrônomo Francisco Lucena, 70 anos, é morador da Quadra 4 do Setor Taquari. Ele conta que ainda faltam investimentos públicos para melhorar o bairro. “A entrada do setor não está urbanizada até hoje, é cheia de mato e falta sinalização e estacionamento na área comercial. Além disso, a entrada para a BR-020 é muito perigosa e ainda há muitos casos de assaltos na região”, comenta Lucena.

A assessoria de imprensa da Terracap informou que já recorreu da decisão, com embargo declaratório. A empresa também garantiu que há poucos lotes vazios disponíveis no Setor Taquari e que não há previsão para novas licitações de áreas vazias no bairro. O Correio questionou a empresa sobre a possibilidade de a decisão servir como base para futuros questionamentos da licitação de lotes vazios. Em nota, a Terracap informou que, “conforme determina a Constituição Federal, a situação de toda administração pública — nela incluída a Terracap — se rege pelo princípio da legalidade. A administração só pode fazer aquilo que a lei determina. Portanto, não há por que temer ações na Justiça”, justificou, em nota, a diretoria da Terracap.

Direito de preferência
A regularização do Setor Taquari envolveu muita polêmica. Em 2002, a Terracap começou a vender os imóveis aos ocupantes, por meio de licitação com direito de preferência. Mas muitos moradores entraram na Justiça e conseguiram suspender o pagamento das parcelas dos terrenos. Foram vendidos, ao todo, 1.109 lotes, em duas tumultuadas concorrências.