Moradores do Edifício Cristal do Park correm o risco de perder o imóvel

As moradores do Edifício Cristal do Park, em Águas Claras, correm o risco de perder a propriedade do imóvel. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) abriu um inquérito para investigar se os sócios da construtora Aires Costa, responsável pelo conjunto habitacional, e seu representante judicial junto à Receita Federal, à Junta Comercial e ao Procon-DF aplicaram um golpe durante a construção das duas torres do empreendimento. “O caso parece ser muito maior do que aparenta. Temo que seja mais um dos golpes que aplicam por aí. A construtora comprou o terreno, mas não pagou (à Terracap). E esse não deve ser o único prédio da empresa com o mesmo problema”, disse o titular da 4ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor, Guilherme Fernandes Neto. Procurada pelo Correio, a Aires Costa não retornou as ligações.

O promotor comparou o caso com o de três outras empresas, alvos de duas ações judiciaispropostas por ele em 2010 e neste ano por descumprirem os contratos imobiliários, prejudicando centenas de consumidores. A maioria dos moradores está descobrindo o problema ao terem recusadas as propostas de financiamentos por instituições bancárias — o empreendimento está sob ação judicial impetrada pela Terracap por conta da falta de pagamento.

Para identificar os clientes da Aires Costa, o MPDFT marcou uma audiência pública para 2 de fevereiro de 2012, no auditório do órgão, em Brasília. “Sei que há outros prédios (da construtora) em Águas Claras e um outro em Sobradinho. Precisamos localizar essas pessoas”, afirmou Fernandes Neto. Ele reconheceu, no entanto, que o risco de o governo local entrar com o pedido de reintegração de posse do terreno antes mesmo de o encontro ocorrer é alto. Procurada, a assessoria de imprensa da Terracap informou que o departamento jurídico precisaria de mais tempo para dar uma resposta. “É preciso fazer uma pesquisa para informar com precisão as informações solicitadas”, explicou, por meio de nota, a Terracap.

O promotor contou ao Correio que a primeira carta de uma moradora chegou ao gabinete dele em julho. Ela descreveu as dificuldades em obter um financiamento após ter pagado R$ 40 mil de entrada no apartamento comprado por R$ 165 mil. No mês passado, ele recebeu outras quatro denúncias contra o mesmo edifício. “Resolvemos investigar melhor e tudo indica que é mais um golpe e pelo menos 500 pessoas devem ter sido lesadas. Pelas características, é possível que os consumidores não consigam ser indenizados, porque parece que existem ‘laranjas’ no processo”, comentou.

Ao mostrar a papelada do processo, ele revelou que a construtora tem como sócios José Valdomiro Moreira e Maria de Fátima Alves Oliveira. Em 2005, eles designaram como procurador uma terceira pessoa, identificada como Ricardo Martins Moreira Junior. “Isso não é normal. Até parece que já foi tudo arquitetado, de caso pensado”, comentou. Por conta disso, ele acredita que será difícil localizar os bens dos responsáveis pelo empreendimento.

Dívida
Composto por duas torres, o Edifício Cristal do Park foi lançado em 2000, quando as primeiras das 94 unidades começaram a ser vendidas. O Bloco A foi entregue sete anos depois. O B, em 2009. Os proprietários moram nas unidades, mas não têm a escritura. Os mais antigos começaram a se organizar em comissão para tentar fazer com que a construtora legalize a papelada. “Estamos tentando negociar há cinco anos, mas até agora nada”, contou um deles, que não quis se identificar.

Segundo ele, os débitos com a Terracap somavam R$ 402 mil até agosto, mas ainda há outras pendências com a Receita Federal, o INSS e o governo federal (PIS e Cofins). Elas alcançam R$ 500 mil. Logo, as dívidas do conjunto habitacional devem ultrapassar R$ 1 milhão. Outra moradora, que também pediu anonimato, revelou que mais dois prédios da mesma empresa em Águas Claras têm problemas parecidos. “Parece que ele (o representante) já abriu uma nova construtora, chamada Elo”, contou.

O que diz a lei

No Código de Defesa do Consumidor (CDC), os artigos que tratam sobre vício de qualidade ou quantidade são o 14, o 18 e o 20. Eles ressaltam que os fornecedores dos produtos ou a empresa responsável pela prestação dos serviços devem responder caso haja defeito que torne o consumo impróprio. Se o caso não puder ser resolvido dentro de um prazo de 30 dias, o consumidor pode exigir substituição, restituição imediata, monetariamente atualizada, e eventuais perdas. Quem vende responde até pelas informações insuficientes ou inadequadas.

Palavra do especialista:
Exigência do contrato

“Essa situação pode ser interpretada como um vício no negócio, um defeito no acordo, porque há um problema que não foi informado no momento da venda. Diante disso, o consumidor pode exigir o cumprimento do contrato inicial, assim como foi vendido. Se não for possível ou se ele não quiser insistir, ele deve pedir a rescisão, com a devolução das parcelas pagas; perdas e danos, decorrentes dos juros ou de qualquer prejuízo efetivo que a pessoa tenha tido; e o lucro cessante, que corresponde à valorização do imóvel. O apartamento também pode ter valorizado desde o momento da compra até a rescisão. Nesse caso, receber só o que foi pago é ter prejuízo. Para quem optar por insistir, há uma chance de ter êxito, usando o precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O entendimento do tribunal é de que, se a construtora tem uma dívida, o consumidor não deve ser penalizado. A empresa precisa arrumar meios de cumprir a promessa, sem que o terreno seja usado como forma de pagamento.”