Proposta para mudar as normas de ocupação da 901 Norte divide opiniões

O futuro da última área vazia no centro de Brasília será discutido no próximo dia 21, quando o governo fará a primeira audiência pública para debater a proposta que prevê a construção de hotéis, lojas e escritórios na Quadra 901 Norte. O projeto de lei que muda as regras para ocupação do espaço já está pronto e falta apenas a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e do Conselho de Planejamento Urbano do DF (Conplan). Mas o debate promete ser acalorado, já que cresce o número de pessoas e entidades contrárias à iniciativa. O argumento dos opositores é que a iniciativa fere o tombamento da capital.

Hoje, a legislação permite apenas que sejam erguidos edifícios de até três andares, destinados a empreendimentos institucionais, como igrejas e sindicatos. A ideia do governo é autorizar uma ampliação do leque de atividades permitidas na área de 85 mil metros quadrados. Além disso, o projeto de lei em análise aumenta o gabarito de nove metros para 45 metros, o que abre brecha para a construção de prédios de até 15 andares. O GDF quer vender um único terreno, sem desmembramento, e, segundo estimativas do mercado imobiliário, o preço da área pode alcançar R$ 800 milhões.

A proposta inicial da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) era autorizar edifícios de 65 metros de altura. Mas técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação propuseram gabarito de 27 metros. Diante das divergências internas, o Executivo decidiu optar por um meio-termo e fixou a altura em 45 metros. A princípio, o governo tratava o projeto como uma expansão do Setor Hoteleiro Norte. Mas o plano prevê autorização para uma lista de atividades bem mais ampla: de escritórios a áreas de lazer, além de alojamento.

O projeto de mudança nas regras de ocupação da 901 Norte é polêmico e está em análise no Iphan O órgão ainda não tem nenhuma posição oficial com relação à proposta e há grande expectativa sobre a avaliação dos técnicos do instituto. “Nosso relatório deve ser concluído em 10 dias. Nada pode ser feito de forma precipitada porque Brasília é tombada. Vamos fazer um parecer, mas quem tomará a decisão final será o Conselho Consultivo do Iphan nacional, já que essa é uma decisão muito importante”, justifica o superintendente do instituto no DF, Alfredo Gastal. Ele vai se reunir também com a arquiteta Maria Elisa Costa, filha de Lucio Costa, para discutir o assunto. “Temos que ser muito cautelosos porque é a qualidade de vida na cidade que está em jogo. Acho que o assunto requer um mergulho nos estudos de Lucio Costa e a Maria Elisa é a guardiã desse material”, finaliza.

A filha do idealizador do Plano Piloto já tem seu veredicto: é contra a mudança de destinação da área. Maria Elisa preside a Casa de Lucio Costa, entidade voltada à preservação da obra do pai. “O parecer da Casa de Lucio Costa é de que projeto sugerido pela Terracap não seja aprovado, em nenhuma hipótese. Seria absurdo comprometer a preservação da identidade urbana original de Brasília apenas para satisfazer necessidade de leitos de hotel para um evento temporário, como é a Copa do Mundo”, comenta Maria Elisa, em uma carta divulgada à sociedade da capital. “A delimitação espacial dos elementos fundamentais da concepção de Brasília, apesar dos pesares, não chegou a ser comprometida pelas intervenções havidas até hoje”, finaliza Maria Elisa Costa.

Áreas de convivência
O presidente da Terracap, Marcelo Piancastelli, diz que o principal objetivo é desenvolver a área central de Brasília. Ele nega que a proposta represente uma agressão ao tombamento. “Esse projeto atende os anseios da população. A cidade precisa de novas áreas de convivência, como previsto na escala gregária do tombamento. A iniciativa prevê a criação de grandes espaços de convivência, com boulevards no melhor estilo europeu”, conta Piancastelli.

Ele afirma que há uma carência de empreendimentos desse porte na área central. “Haverá hotéis, áreas comerciais e espaços de lazer, alimentação e convivência, como nas maiores cidades do mundo. Isso é comum em Londres, por exemplo. Precisamos voltar nossos olhos para outros países, ver o que está acontecendo em termos de evolução urbana e adaptar Brasília a uma nova fase”, acrescenta.

O número de especialistas e entidades contrárias à alteração das regras de ocupação é grande. O presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-DF), Paulo Henrique Paranhos, organizou até um ato de protesto contra o projeto. Ele classifica a proposta como um “equívoco” e diz que a construção fora dos parâmetros legais vigentes seria um “crime” contra a cidade. “Não estamos em uma briga para congelar Brasília, a cidade tem que ser livre eativa. Mas não podemos permitir uma agressão ao patrimônio que não é nosso, mas da humanidade”, explica Paulo Henrique. “A área central merece cuidado, aquilo ali é a moldura do Eixo Monumental. Brasília não pode ser pensada apenas de acordo com os interesses da construção civil”, alerta o especialista.

Representante de Oscar Niemeyer em Brasília, o pioneiro Carlos Magalhães desaprova a mudança de gabarito da 901 Norte. “Se isso sair do papel, o projeto do Lucio Costa vai para o brejo”, critica Magalhães. “Quem está de acordo com essa construção está contra a cidade. Somente os interessados em negociatas podem defender esse projeto. Mas, infelizmente, sei que, apesar das vozes contrárias, o governo vai liberar essas construções de qualquer jeito”, comenta Carlos Magalhães. Para ele, é preciso manter o gabarito atual. “O projeto do Lucio tem hierarquia nas construções, primeiro os prédios mais altos e, em seguida, os edifícios mais baixos. É preciso dizer não a essa mudança”, finaliza.

O administrador de Brasília, Messias de Souza, diz que 55% das unidades serão destinadas, obrigatoriamente, a hotéis e que os imóveis restantes poderão ser escritórios ou lojas. “Precisamos dar um uso moderno a esta cidade, revendo as normas de ocupação do espaço urbano”, justificou Messias. Ele afirmou ainda que a área tombada não pode ser tratada como uma “bolha” e lembrou que Brasília precisa de novos leitos de hotéis. “A estrutura atual está absolutamente aquém da necessidade para a Copa do Mundo e para o dia a dia da cidade”, finaliza o administrador.

Tombamento
O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural é liderado pelo presidente do Iphan, Luiz Fernando de Almeida, e tem ainda 18 membros da sociedade civil, como representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil , do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, da Sociedade de Arqueologia Brasileira e de vários ministérios. Cabe ao órgão examinar, apreciar e decidir sobre questões relacionadas ao tombamento. Ainda não há data para a análise do projeto da 901 Norte.