Construtoras investem na classe média com imóveis de até R$ 500 mil

Publicação: 05/06/2011

Construtoras e incorporadoras resolveram voltar aos braços e ao bolso das famílias de classe média, de olho na rentabilidade e segurança que ela oferece — a maior parte se seus integrantes têm emprego e grande intimidade com o sistema bancário. A guinada tem suas razões. Além da maior pressão dos acionistas por melhores resultados, já que o grosso das companhias tem ações negociadas em bolsa de valores, estão sobrando imóveis de alto valor e, entre a baixa renda, tornou-se um problemão enquadrar as prestações no orçamento doméstico. Agora, o foco são empreendimentos entre R$ 250 mil e R$ 500 mil, que podem ser comprados pelo Sistema Financeiro da Habitação SFH), que oferece juros mais baixos, usando o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que, nos primeiros quatro meses do ano, foram concedidos R$ 22,2 bilhões em financiamentos para essa faixa de imóveis, novos e usados. Apenas em abril, foram liberados R$ 6,2 bilhões, resultado 42% maior do que computado no mesmo mês de 2010.

Maior construtora da América Latina, com negócios espalhados por 17 estados e no Distrito Federal, a PDG Realty prevê lançar entre R$ 9 bilhões e R$ 10 bilhões em imóveis neste ano, 35% a mais do que em 2010. Desse total, metade será voltada à tradicional classe média. Nas programações anteriores, a preferência era por unidades de até R$ 250 mil, que, neste ano, responderão por apenas 30% dos lançamentos. “O foco em 2011 é a classe média”, vem dizendo o presidente da empresa, José Antonio Grabowsky.


Quase 40% dos lançamentos da PDG já estão nas ruas. No DF, são empreendimentos de dois e três quartos em Taguatinga e Ceilândia, com preços a partir de R$ 150 mil a unidade. Na ponta do lápis, a companhia percebeu que, com a alta dos custos da construção, ficou difícil repassar custos para o segmento econômico. A margem dos negócios para a classe média se mostrou melhor. A Gafisa, que controla a Tenda, e atua em 18 estados e 40 cidades do país, foi na mesma direção e decidiu lançar quase todos os seus imóveis para a classe média. Pragmática, a empresa reconhece que será mais seletiva. Uma exigência dos acionistas aos quais têm de prestar contas.

Enfim, a realidade

Para Júlio Pina, diretor de Desenvolvimento de Negócios da BrasilBrokers, trata-se de um ajuste natural do mercado. E melhor: a mudança de foco está sendo acompanhada da acomodação dos preços dos imóveis. “Em alguns casos, houve até queda nos valores. No Noroeste, em Brasília, por exemplo, o preço do metro quadrado caiu de R$ 10,4 mil para R$ 9 mil”, ressalta Luiz Henrique Rimes, diretor da João Fortes Engenharia. Na tentativa de não perder mercado, a Imobiliária Coelho da Fonseca teve de dar descontos de 2% a 5% em seus imóveis na Bahia. “Foi uma estratégia que deu certo”, comenta Rubens Correia, sócio da imobiliária. Na avaliação de Alexandre Dinkelmann, diretor de Relações com os Investidores da Brookfield Incorporações, esse é o sinal mais claro de que não há bolhas no mercado. Os exageros são corrigidos sem traumas.

Preços exagerados são, por sinal, um dos motivos de as construtoras fugirem do Plano Piloto, na capital federal. Os pouquíssimos terrenos disponíveis na área custam uma fortuna, limitando o público-alvo. Assim, os lançamentos de imóveis residenciais de dois e três quartos no DF estão se concentrando no Guará, em Águas Claras e em Taguatinga. É o caso da Construtora JC Gontijo, que prioriza as classes média e alta — somente 25% dos empreendimentos são destinados à população de menor renda, alcançada pelo Programa Minha Casa, Minha Vida, limitado a R$ 170 mil.

Rodrigo Nogueira, sócio-diretor da empresa, conta que prepara pelo menos cinco lançamentos na faixa de R$ 300 mil a R$ 500 mil para este ano em Águas Claras, Guará e Samambaia. Para 2102, estão previstos mais dois. Há 15 dias, a JC Gontijo lançou o que considera “raridade”: um prédio na quadra 312 da Asa Sul, de alto luxo, de 230 metros quadrados e quatro suítes, ao valor médio de R$ 3,3 milhões. “Vendemos o prédio em 15 dias”, comemora. Mas ele admite: é inviável economicamente construir apartamentos de dois e três quartos no Plano Piloto. “O custo do terreno é muito alto, a fração ideal é tão cara que inviabiliza imóveis para a classe média.”

Muitas opções

Superintendente da Lopes Royal, Nailane Ararune Massuh diz que a classe média não tem mais como comprar imóvel na planta no Plano Piloto na faixa até R$ 500 mil. No Noroeste, complementa ela, os apartamentos de dois quartos de 70 metros quadrados são a partir de R$ 650 mil (unidade do primeiro andar). Há, também, prédios com unidades de quarto e sala, mas a oferta desses imóveis foi limitada para não aumentar a densidade populacional da área e custam a partir de R$ 350 mil. No Sudoeste, os lançamentos limitam-se a salas comerciais, que alguns compradores usam como quitinetes.

Para o corretor de imóveis Marcos Ozanã Santos, somente no Centro de Atividades, do Lago Norte, é possível encontrar imóveis na planta de quarto e sala e de dois quartos valendo de R$ 250 mil a R$ 500 mil. Mas com a ressalva de que, na maioria dos casos, os terrenos têm escritura para a construção de imóveis comerciais, o que limita o uso do FGTS pelo comprador e a obtenção de financiamento com taxas de juros mais baixas vigentes para imóveis residenciais. “Diante da inexistência de lançamentos de imóveis para a classe média no Plano Piloto, as cidades do Entorno estão estourando”, afirma. “Não há nada abaixo de R$ 3 mil por metro quadrado nessas áreas”, acrescenta.


Que o diga o publicitário Celso Medeiros de Oliveira, 27 anos. Ele visitou mais de dez unidades nessas cidades. “Com o meu salário aumentando, está mais fácil procurar. Muitos imóveis se encaixam no meu orçamento. Mas também me interessei por vários que ultrapassam um pouco. Quero pagar, no máximo, R$ 300 mil pela casa própria”, diz. Ele, que está noivo, quer se mudar até o fim do ano. “Será a realização de um sonho. Devo parcelar o valor de compra pelo máximo de tempo possível. Mas o esforço será valido”, frisa.


Pensando em aumentar a família, a corretora Carolina Lucena Porto, 30 anos, adquiriu, em dezembro do ano passado, um apartamento de três quartos em Águas Claras. “Planejo engravidar no ano que vem. Já tinha um apartamento de dois quartos, o qual vendi para pagar o novo, na planta, por menos de R$ 500 mil. Valeu a pena”, garante. A entrega será em maio de 2012. “Abri mão de muita coisa para pagar as prestações, mas qualidade de vida é o que importa. Um lugar para morar está incluído nisso.”